Vídeo-aula 5: Entrevista com Prof. Solon Viola sobre representação social do DH no Brasil - Ana Maria Klein


A aula apresenta uma entrevista com o Prof. Solon Viola onde é discutida a representação social do DH no Brasil e o papel da escola na transformação desta representação.

Representação social dos DH na sociedade brasileira:
Os DH são muito recentes na sociedade brasileira, não se enraizaram e, quando surgiram, surgiram acompanhados de um contraponto construído através de uma grande mídia de ampla penetração na sociedade brasileira, pois os DH surgiram na luta da sociedade brasileira pela democracia, pela liberdade, contra a ditadura. E a grande mídia eletrônica imediatamente reagiu seguindo os cânones dos governos militares da época, o que significava considerar tudo o que era DH defesa de bandido, defesa de subversivo, direito de terrorista.
Então, ao mesmo tempo que os militantes de direitos humanos ofereciam uma cultura de liberdade, de luta pela vida, a grande mídia buscou preconceitos históricos da sociedade brasileira para refazer uma cultura tradicional de desrespeito do outro e de não reconhecimento do outro: a grande mídia trabalhou com a herança da escravidão de desprezo do pobre,  daquele que não tem privilégios, daquele que de alguma maneira tem sua vida ligada ao mundo do trabalho. Trata-se de uma dimensão de preconceito contra todos os primeiros habitantes da Terra, que foram dizimados e que, de alguma forma, continuam sendo dizimados até hoje.
Então, quando o Direito Humano surge para a sociedade brasileira, surge como um desejo de liberdade, de igualdade, e se depara com uma herança histórica de um pensamento fortemente enraizado na cultura dominante e fortalecido pela grande mídia de ampla penetração cotidiana na sociedade brasileira.


Cultura de Direitos Humanos em nossa sociedade:
O caminho que a sociedade brasileira percorreu ao longo da década de 80, durante os anos 90, e agora no início desse século, de se reencontrar consigo mesma, de refazer sua história, de refazer o seu passado é uma forma de ter o  tempo como aliado: a forma pela qual o tempo te possibilita alterar o conceito. É o encontro que a sociedade brasileira faz com as suas conquistas: conquista de seus direitos civis e políticos  (anistia, campanha das "diretas já!", assembleia nacional) e uma nova representação dos direitos humanos (luta por terra, moradia, luta por alimento...) .
Os membros da sociedade brasileira assumem que são seres humanos e que precisam ser respeitados e tratados dentro da condição equânime que é própria da humanidade.
A educação tem um papel muito significativo nesse caminho: um projeto pedagógico no qual os educandos sejam tratados como seres humanos (desde a mais tenra idade, e desde o setor social mais simples), que se saibam sujeitos de direitos, que se saibam sujeitos da condição de dignidade que a humanidade precisa ter.
Isso deve levar a uma sala de aula com outra característica: uma sala de aula na qual os saberes dos educandos tenha tanto valor como os saberes dos professores, na qual os saberes do cotidiano se expressem tão livremente quanto os saberes formais da escola.

 

Isso vale para a Universidade também, que precisa ser esse espaço do diálogo de saberes, entre o aprendiz e o ensinante.
Por isso, modificar a cultura de direitos humanos, ressignificar direitos humanos é uma exigência do tempo e é uma exigência de construção de uma nova ordem democrática.


O papel da escola na construção de uma cidadania ativa:
Nós lidamos também muito recentemente com a dimensão da cidadania no Brasil. A cidadania no Brasil sempre foi restrita a um percentual muito pequeno de brasileiros (homens, normalmente, proprietários de terra ou grandes proprietários urbanos, ou seja, a elite brasileira) por quase todo o tempo da República. Nós temos um tempo muito pequeno de ensaio democrático (entre 1930 e 1937 e, depois, de 1945 a 1964). Nossa experiência de democracia mais longa é essa que começa com o fim da ditadura, ou seja, uma experiência muito pequena para sabermos de cidadania. E mesmo nas nossas experiências de cidadania, está muito restrita à dimensão da representação: entregamos nossa capacidade democrática de decisão a nossos representantes.
Cidadania ativa é uma cidadania que remonta a outras experiências humanas e que o Brasil viveu e tem vivido esporadicamente, em um canto ou outro do país (ex.: ao longo do final dos anos 80 e início dos anos 90, a experiência de orçamentos participativos que várias cidades brasileiras fizeram, sendo inclusive motivo de pesquisa internacional).
Mesmo a cidadania ativa não é um direito humano como todo mas sim um pedaço do direito humano.
O direito humano tem uma dimensão que vai além da nação.
Cada ser humano tem a condição humana como condição primeira e a condição de cidadania como a condição de um ser humano num determinado país, numa determinada configuração geopolítica.
Como a escola pode lidar com isso?
A escola precisa entender que seu aluno é um ser humano e é um ser que tem direitos, é um ser que tem saberes, que dá nomes, que rebatiza, que reconfigura a condição do saber humano.
É preciso que a escola saiba que existem conteúdos específicos de direitos humanos e que cada aluno precisa saber desses direitos.
A escola precisa descobrir que o ser humano é o ser da palavra e do pensamento e, portanto, a sala de aula tem que ser o lugar da palavra e do pensamento.
Uma vez feito isso, construímos a dimensão do saber humano coma  dimensão do lugar em que vivem os alunos, o que significa que, mesmo no tempo da mundialização, entendemos que as pessoas aprendem a conhecer o mundo no seu lugar: é do seu lugar, do lugar dos alunos, do lugar dos professores que se constitui o universal do saber humano.
Os alunos precisam conseguir uma forma de se organizarem. Os professores também. E diálogo entre professores e alunos podem produzir esses espaços de democratização da escola.
Claro que tudo isso não é simples afinal a sociedade brasileira é uma sociedade feita de privilégios. e quem tem privilégios tem grande dificuldade de considerar o outro como igual (às vezes tem dificuldade, inclusive, de considerar o outro um ser humano também).




A importância do conhecimento e do ambiente em que os direitos sejam vivenciados:
Basta conhecer os direitos, mas não basta conhecer os direitos.
Basta conhecer os direitos pois nós não os conhecemos. Então, precisamos saber. Se chegarmos a este ponto, do conhecer os direitos, fizemos um avanço gigantesco.
Se você se sabe um ser humano digno da condição humana, você não passa fome, ou não admite que o outro passe fome.
Se você se sabe um ser humano com a condição da dignidade que a vida de um ser humano exige, você vai morar em lugares dignos. Lugares que tenham conforto, luz quando preciso, água, alimento, roupa adequada ao clima. E aí você conhece seus direitos o suficiente para o viver. então basta.
Mas não basta.
É preciso que, conhecendo, eu me movimente em direção à executar o que eu conheço. A tornar o que eu conheço concreto, efetivo. Isso é diálogo, isso é embate, isso é processo democrático. A democracia pressupõe o conflito. É o campo do conflito.
Às vezes, quando eu não conheço o meu direito, eu não quero me comprometer com a democracia. Eu deixo que outro decida por mim.

O papel da escola no processo de conhecer, querer e realizar os direitos:
O conhecimento e o exercício do conhecimento.
A escola lida com o saber humano. Mas normalmente a escola desconhece os saber que vêm dos alunos e lida apenas com o saber formal (por vezes, ultrapassado).
Quanto tempo demora para o saber produzido na Universidade para chegar na escola?
O conhecimento da escola precisa se permanentemente atualizado e vivenciado dialogicamente, entre aprendizes e ensinantes.
Se a escola tiver a condição de se aproximar do seu lugar, da sua coletividade e de agir junto a ela, a escola presta um serviço significativo, não só para os estudantes e para os professores, mas para a coletividade toda, ressignificando para além da própria escola, os direitos humanos.

Direitos humanos a partir da realidade vivenciada pelos estudantes:
Se há um conhecimento que é escolar, há um outro conhecimento que é o da televisão. Conhecimento universal chega nas casas. Então, o conhecimento local é decisivo porque é a partir daí que parte a construção do saber humano, mas não podemos deixar de entender que o saber humano, nesse tempo em que vivemos, tem uma dimensão universal.
É preciso olhar o papel que os meios de comunicação exercem hoje no mundo (inclusive a carga de saberes, de todos os tipos, que esses meios de comunicação colocam dentro das nossas casas cotidianamente.

O trabalho com Direitos Humanos na escola:
Direitos Humanos é uma dimensão de desejo, uma dimensão de percepção da construção da humanidade.
Direito Humano é muito mais que a declaração, que os direitos fundamentais. direito Humano é o reconhecimento do outro. É o desejo da condição humana. Da condição da liberdade inerente ao ser humano. Do reconhecimento de que somos iguais, sendo diferentes. e de que, às vezes, precisamos sonhar para além do cotidiano para uma movimentação em direção a uma cultura de direito humano. 
É preciso entender as experiências muito ruins que a humanidade vive(u) e que se constitua um sonho de um país mais justo, mais igual, um país onde as liberdades sejam efetivamente mais respeitadas em diálogo.












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